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Liberdade de expressão e de imprensa: O Brasil não é um país livre 3t5h1e

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Foto: reprodução

Por Adriano Gianturco* 36322h

Em 2013, um jogador da seleção inglesa de rúgbi, na ocasião de uma foto oficial, fez o sinal de chifre na cabeça do então primeiro-ministro David Cameron. Uma bravata estúpida e mal-educada, mas ao mesmo tempo um sinal de liberdade. Ele se desculpou e Cameron o perdoou; vida que segue. Mas eu me pergunto o que aconteceria aqui, se pensarmos que o comediante Leo Lins foi condenado a oito anos de prisão por uma piada. Oito anos! Por uma piada! Pendurado em praça pública para todos verem (e aprenderem).

Na semana que termina, o STF formou maioria para restringir ainda mais a liberdade de expressão on-line. Antes disso, uma jornalista do gaúcho Zero Hora foi condenada a pagar uma indenização de R$ 600 mil por ter divulgado e criticado o salário (que é informação pública) de uma desembargadora. Um jornalista do Metrópoles está sendo investigado por algumas reportagens sobre o patrimônio de um delegado da polícia. O TSJ condenou a IstoÉ e dois de seus jornalistas por danos morais por uma reportagem que cita Gilmar Mendes.

Em 2016, esta Gazeta do Povo publicou uma reportagem sobre salários acima do teto recebidos por juízes e promotores. A reportagem não dizia que a prática era ilegal, e todos os dados usados eram públicos. No entanto, juízes e promotores iniciaram uma onda de mais de 30 processos, pulverizados em diversas cidades, com ações todas iguais. Os cinco jornalistas citados tiveram de percorrer 6,3 mil quilômetros para ir a 15 cidades.

Já faz décadas que existem temas tabu como etnia, gênero, orientação sexual e meio ambiente. Agora somaram-se à lista vacinas, urnas eletrônicas, golpe, minorias organizadas… e juízes

Não se trata de casos isolados. Um relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) identificou um aumento de 120% nos casos de censura judicial, de 2023 para 2024. No ranking de liberdade on-line da Freedom House, o Brasil está entre os países ditos “parcialmente livres”, em 65.º lugar entre 100 nações. No ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras, o Brasil está na 63.ª posição entre 180 países.

Nos últimos anos, especialmente a partir do inquérito das fake news (apelidado de “inquérito do fim do mundo”), a coisa vem piorando. Nem seria preciso falar do famoso artigo da Crusoé sobre “o amigo do amigo de meu pai”, até porque o fenômeno não é de agora; já faz décadas que existem temas tabu como etnia, gênero, orientação sexual e meio ambiente. Agora somaram-se à lista vacinas, urnas eletrônicas, golpe, minorias organizadas… e juízes.

A sanha de processar todo mundo por falas ou por qualquer mínimo deslize sempre existiu; o leitor também deve ter sentido esse medo ao dizer algo politicamente incorreto, porque alguém invariavelmente se sente ofendido. É uma mistura de “mimimi” com incentivos perversos da indústria de processos com advogados de quarto escalão. “Ele me ofendeu”, dizem; errado: ninguém o ofendeu, é você que se sentiu ofendido. Há quem se ofenda, há quem não esteja nem aí e há até quem ria. É uma fraqueza, normal e legítima, mas não a disso. Todas as vezes que ouço a palavra “constrangido”, sei que vem besteira por aí. O constrangimento tem uma função social importantíssima: é a pressão dos pares, serve para tomar vergonha na cara, é educativo, é uma forma de educar as pessoas sem recorrer à violência e a custosos processos judiciais.

O que amendoins, pólen e fake news têm em comum
Na obra Patrimonialismo e a realidade latino-americana, Ricardo Vélez Rodríguez mostra que uma das características dos sistemas patrimonialistas (como o brasileiro, o russo e o dos países árabes) é calar o dissenso. Temos que celebrar por não cair de uma janela ou não tomar um chá envenenado, como na Rússia; ou por não tomar chibatadas, como nos países árabes; mas temos de reconhecer a situação. Não somos cidadãos, somos súditos.

Em parte, trata-se de mero oportunismo para reprimir a direita; em parte trata-se de patrimonialismo; e, em parte, esta também é uma questão social. Há uma parcela de gente que concorda em calar o dissenso. Gente autoritária, intolerante, que sinceramente acha que as pessoas têm de ser processadas por falas. Gente que faz o trabalho do Leviatã para ele – e de graça, ainda! –, denunciando o próximo. Gente que foi domesticada para delatar e judicializar. Há uma cultura política autoritária. A Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) da ditadura militar ainda está entre nós.

*Professor e doutor em Ciência Política. Coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC.

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